Há correria entre os guincheiros (profissionais treinados para o transporte de veículos acidentados) em Jacy-Paraná, distante 100 quilômetros da capital, no primeiro trecho, de 1,5 mil metros de inundação com lâmina de água de 60 centímetros sobre o asfalto. “Nós não sabemos se eles têm licença específica para isso. É impossível fazer o controle de todos. Nossa missão aqui é garantir a ordem”, disse o agente De Godoy, da Polícia Rodoviária Federal. Microônibus da PM de Rondônia são guinchados também.
Alguns caminhoneiros aguardam seguir para Rio Branco (AC) há quase uma semana. A obra do porto improvisado precisa ser refeita todos os dias para dar condições de atracamento das balsas e a longa espera não poupa nem mesmo crianças de colo e idosos.
Jacy-Paraná
“Aqui só passa se pagar. É a regra, infelizmente”, diz o motorista de guincho Sandro Pimenta, enquanto faz manobra rápida por entre a margem da estrada inundada para chegar primeiro na fila de guincheiros. “Vou te falar. Não tem essa de amizade nessa hora. É muito carro pra passar”, completa Genilson João, outro profissional da área.
Com a impossibilidade da travessia de carros de passeio, a equipe seguiu viagem na carroceria de uma carreta bitrem até o Abunã, onde caminhões carregados de alimentos e combustíveis ocupavam 8 mil metros de extensão nesta sexta-feira (7). A travessia em Jacy, na direção da Vila Jirau, tem caminhões que estariam cobrando pedágio. “Paguei R$ 50, cara. Isso pode?”, questiona o vidraceiro Glauco Macedo. A PRF alerta sobre a irregularidade e o motorista responde: “se me dão gorjeta, eu aceito”.
Nesse trecho tem até tabela: R$ 60 para carros de passeio; R$ 25 para motocicletas e R$ 10 para bicicletas. O faturamento é alto e a atividade não é fiscalizada. Com frequência, pedestres pulam sobre os guinchos, numa carona forçada, já que o veículo não pode parar para não causar problemas mecânicos e atrasos. A pesca esportiva é um atrativo perigoso às margens da rodovia. No local, os pescadores capturam os alevinos com água acima do joelho. “Cobras e jacarés fazem companhia pra gente”, brinca, alheio ao perigo, o desabrigado Jonilson Braga, de 15 anos, um dos mais de 600 moradores da cidade retirados de suas casas e levados para abrigos públicos.
Encarregados de construtoras da Usina Jirau contrataram quase todas as lanchas e voadeiras da região para transportar funcionários até as hidrelétricas. Por pessoa, cobram-se até R$ 7 por viagem. “É o nosso ganha pão”, anima-se o barqueiro Joseandro Silvestre.
Sem taxi, sem ônibus
Nem todos atendem ao pedido da PRF para permanecerem em Jacy-Paraná, onde ainda há alguma infraestrutura (hotéis, pousadas, restaurantes e comércios não inundados). “A pressa e a necessidade nos obriga”, diz o empresário Romilson Dias, que fretou um táxi para Rio Branco após trazer de São Paulo uma academia móvel. O frete: R$ 1,1 mil. Na travessia, o taxista teve que desembolsar R$ 400 por guincho, nos 18 quilômetros onde a lâmina de água chega a 1,2 metros sobre o solo. “Por avião é impossível. Só havia passagem disponível a partir do dia 12, com preços de 3 mil por cento mais caros”, disse o empresário após consultar duas empresas aéreas.
Nenhum outro taxista arriscou a aventura e o transporte remunerado de passageiros está interrompido, inclusive por ônibus, entre as duas capitais há quase 30 dias.
Caos na Vila Jirau
A Vila Jirau, 70 quilômetros além de Jacy-Paraná, é a primeira comunidade onde se encontra alimentos prontos. Está na parte alta e não tem famílias atingidas pela cheia. Porém, o restaurante de dona Hermínia Sales está em baixa. “Ninguém aparece. Não está valendo a pena cozinhar”, afirmou. A comunidade não tem médicos, e no posto de saúde o estoque de medicamentos zerou.
“Uma doutora cubana veio para cá, passou mal e foi embora”, conta a moradora Joana Souza. Na última quarta-feira (6), diz a mulher, um homem com traumatismo craniano foi socorrido em carro particular até Jacy (40 quilômetros de viagem), e resgatado em ambulância que veio de Porto Velho. O paciente não resistiu e morreu no Pronto-Socorro João Paulo II.
Acidentes e insegurança
Nesta semana, duas carretas tombaram com carregamentos de arroz e verduras que seguiam para Rio Branco. O acidente ocorreu dentro do trecho onde o alagamento da rodovia alcança a maior profundidade. Há balizamentos e sinalização luminosa somente nas curvas. Placas improvisadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) são arrastadas pela correnteza. “Viajamos na segunda marcha e sem deixar o motor parar. Se isso acontecer, adeus”, diz o caminhoneiro Francimar Gurgel.
Os motoristas não têm referência da pista e a travessia está proibida à noite. Bases do órgão federal foram montadas para comunicar por rádio a abertura e fechamento da BR, sempre às 7h e às 17h, respectivamente. O tráfego simultâneo nos dois sentidos não está autorizado, mas o controle é falho.
Foi registrado em vídeo um caminhão baú que perdeu a referência da estrada, caiu na ribanceira e só deve ser removido quando a água baixar. O motorista abandonou a carga, enfrentou as águas a nado e não foi localizado.
Abunã desabastecido
A população de mil habitantes no Distrito de Abunã dobrou em 15 dias, diz o administrador Nélio França, um garimpeiro que cuida pessoalmente da remoção de pessoas e seus pertences. A cidade não tem assistentes sociais e apenas dois policiais militares fazem a segurança com viatura abastecida pela administração local.
Gás de cozinha, combustíveis e alimentos estão faltando na cidade, que concentra centenas de viajantes à espera da travessia em direção a Rio Branco (AC). “Pedimos à Defesa Civil um reforço nas cestas básicas e ao Dnit solicitamos banheiros químicos. Não temos estrutura para acomodar tanta gente”, diz o gestor da vila que tem 88 famílias desabrigadas pela cheia.
Não há agência ou terminal bancário em Abunã. Os servidores públicos são transportados numa chalana para receber seus salários em Porto Velho. Os caminhoneiros improvisam alimentos á margem da BR. “Hoje teremos pupunha cozida”, oferece o carreteiro Jaime Louzada, que vem de Santa Catarina. “A fila não anda. O que estará acontecendo lá na frente?”, questiona.
Balsas inoperantes, travessia incerta
Dados da PRF indicam que nesta sexta-feira (7) havia 8 mil metros de veículos pesados estacionados à margem direita da BR-364. Os caminhoneiros aguardam a normalização da travessia sobre o Rio Abunã. O atracadouro alternativo e emergencial feito pelo Dnit não funciona como esperado.
A cada embarque, o solo afunda e fica desnivelado, impossibilitando a aproximação segura da balsa. “Estou aqui há quatro dias. A fila não anda”, reclama o caminhoneiro Joafran Mendonça. Um temporal na noite de quinta (6) obrigou as máquinas a refazerem a obra (com a raspagem do barro que havia sido jogado no local e a inclusão de britas no acesso de apenas 60 metros).
A prioridade é dada a caminhões tanques que transportam combustíveis e carretas que levam alimentos para o Acre. As três balsas estão proibidas pela PRF de trabalhar no período noturno, devido à grande quantidade de galhos e troncos de árvores que desce o manancial. “É uma questão de segurança para motoristas e cargas”, afirmou o inspetor João Bosco Ribeiro.
“Durante o dia, perde-se mais tempo tentando arrumar o porto do que transportando os veículos”, afirma Gilvandrio Gallaco, que veio de Santa Catarina para entregar 7 mil quilos de argamassa na capital acreana. “Não volto mais aqui”, diz.
O proprietário das balsas, Nereu Ramud, confirma uma expectativa ainda mais negativa. “Devemos fazer a travessia de 150 caminhões em quatro dias, em condições normais”. O responsável pelo Dnit não quis comentar o atraso na obra. Quando uma balsa consegue ser carregada, a viagem de ida demora duas horas até Vista Alegre do Abunã, no lado oposto do rio.
Fonte: Rede Amazônica
Nenhum comentário:
Postar um comentário